quarta-feira, junho 07, 2006

Sobre o blog e o texto de inaguração:

Quem me conhece sabe que aprecio muito as coisas simples da vida. Chamo de "coisas simples" aquelas situações que podem nos parecem rotineiras: um abraço sincero de um amigo(a) que gostamos muito e que há tempos não vemos; provocar um sorriso nas pessoas que nos cercam; as sensações e emoções transmitidas por boas músicas, textos, livros; o prazer de uma boa conversa sobre os assuntos mais variados e inusitados; a contemplação e a alegria em conhecer novos lugares, pessoas, culturas.

Pois bem, coisas simples, simples assim. Daí a inspiração para o nome deste blog e o texto que o inaugura que me foi passado por uma amiga quando conversávamos sobre o tema simplicidade e falando em simplicidade, ele é simplesmente perfeito! (trocadilho não proposital. rs). Triste na verdade, porém a tristeza é a companheira da inspiração e o intervalo entre o fracasso e o levante para o sucesso. Adoraria tê-lo escrito...

Convites Supérfluos (por: Dinno Buzzati)
Gostaria que você viesse à minha casa numa noite de inverno e juntos, de rostos colados à vidraça, olhos fitos na solidão das ruas escuras e geladas, recordássemos os invernos das fábulas, onde se vive junto sem saber. Pelos mesmos caminhos encantados passamos, de fato, eu e você na verdade; com passos tímidos, juntos atravessamos as florestas cheias de lobo, e os próprios gênios nos espiavam dos tufos de musgo suspensos das torres, entre um esvoaçar de corvos. Juntos, sem sabê-lo, talvez de lá olhássemos ambos para a vida misteriosa que nos aguardava. Depois palpitaram em nós, pela primeira vez, doidos e ternos desejos. "Você se lembra?", diremos um ao outro, abraçando-nos docemente no aposento tépido, e você sorrirá para mim, confiante, enquanto lá fora produzirão um tétrico som as folhas sacudidas pelo vento. Mas você _ lembro-me agora_ não conhece as fábulas antigas do rei sem nome, dos papões e dos jardins enfeitiçados. Nunca passou, extasiada, sob as árvores mágicas que falam com voz humana, nem bateu à porta do castelo deserto, nem caminhou pela noite, rumo ao fogo distante, nem adormeceu debaixo das estrelas do Oriente, ao embalo da canoa sagrada. Atrás das vidraças, na noite de inverno, provavelmente permaneceremos mudos, eu perdido nas fábulas mortas, você em outros cuidados que desconheço. Eu lhe perguntarei: "Lembra-se?", mas você não se lembrará.
Gostaria de passear com você num dia de primavera, de céu cor cinza e ainda alguma velha folha do ano anterior arrastada pelo vento nas ruas dos bairros da periferia; e que fosse domingo. Nesse bairros, surgem amiúde pensamentos melancólicos e grandiosos, e em certas horas anda a poesia a vagar, unindo os corações que se querem bem. Nascem, além disso, esperanças que ninguém sabe explicar, amante dos horizontes sem fim atrás das casas, dos trens em fuga, das nuvens do setentrião. Ali nos daremos singelamente as mãos e andaremos a passo ligeiro, dizendo coisas insensatas, tolas e amáveis. Até que se acendam as luzes da rua e dos prédios esquálidos surjam as histórias sinistras da cidade, as aventuras, os romances almejados. E então nos calaremos, sempre de mãos dadas, pois as almas se falam sem palavras. Mas você _agora me lembro_ nunca disse coisas insensatas, tolas e amáveis. Não pode, portanto, amar esses domingos de que falo, nem sua alma sabe falar à minha em silêncio, nem reconhecer na hora certa o encantamento da cidade ou as esperanças que descem do setentrião. Você prefere as luzes, a multidão, os homens que a olham, os caminhos onde dizem que se pode encontrar a fortuna. Você é diferente de mim e, se viesse passear algum dia, iria queixar-se de cansaço; só isso e nada mais.
Eu gostaria também de passear com você, no verão, por um vale solitário, a rir continuamente das coisas mais simples e a explorar os segredos dos bosques, das estradas brancas, de certas casas abandonadas. De parar na ponte de madeira contemplando a água que passa, de escutar nos postes telegráficos essa longa história sem fim que vem dos confins do mundo e quem sabe onde ora andará. E de colher flores dos prados e ali, estendidos na relva, no silêncio ensolarado, contemplar os abismos do céu e as alvas nuvenzinhas que passam e os cumes das montanhas. Você diria: "Que lindo!". Nada mais diria porque estaríamos felizes, teríamos perdido o peso dos anos, nossas almas rejuvenescidas como se acabassem de nascer.
Mas você _ agora que penso nisso_ olharia à sua volta sem compreender, temo, e se deteria a examinar preocupada uma meia e me pediria um outro cigarro, impaciente por voltar. E não diria: "Que lindo!", mas outras coisas banais que a mim não me importam. Talvez porque você seja feita assim. E não seríamos felizes sequer por um instante.
Eu gostaria, outrossim, deixe-me dizer, de atravessar com você, de braços dados, as grandes ruas da cidade num entardecer de novembro, quando o céu é puro cristal. Quando os fantasmas da vida correm por cima das cúpulas e roçam as pessoas escuras, no fundo da fossa das ruas, já repletas de inquietudes. Quando recordações da idade bem-aventurada e novos presságios passam sobre a terra, deixando atrás de si uma espécie de música. Com a cândida soberba das crianças olharemos os rostos dos outros, milhares e milhares, que passam por nós. Emitiremos sem saber uma luz de alegria e todos serão obrigados a olhar-nos, não por inveja ou malquerença, mas antes sorrindo de leve, bondosamente, por influxo da noite que cura as fraquezas do homem. Você, todavia _compreendo-o bem, em vez de contemplar o céu de cristal e as colunas aéreas iluminadas pelo sol poente, preferiria deter-se a olhar as vitrines, as jóias, as riquezas, as sedas, essas coisas mesquinhas. E não perceberá por isso os fantasmas, os pressentimentos que passam, nem se sentirá, como eu, chamada a um destino orgulhoso. Nem ouvirá aquela espécie de música, nem compreenderá por que as pessoas nos contemplam com olhos bondosos. Pensará no seu pobre amanhã e inutilmente, acima de você, as estátuas de ouro sobre os coruchéus erguerão as espadas para os últimos raios. E eu estarei só.
É inútil. Talvez tudo isto não passe de bobagem e você seja melhor do que eu por não presumir tanto da vida. Talvez tenha razão e eu seja tolo por tentar. Mas ao menos, isso sim, ao menos, eu gostaria de revê-la. Aconteça o que acontecer, estaremos juntos de algum modo, e encontraremos a alegria. Não importa se de dia ou de noite, verão ou outono, numa cidade desconhecida, numa casa desadornada, numa pousada esquálida. Bastará eu ter você perto de mim. Não ficarei ali a escutar _ prometo_ os estalidos do teto, nem olharei as nuvens, nem darei atenção às músicas ou ao vento. Renunciarei a essas coisas inúteis, que, no entanto, amo. Terei paciência se você não entender o que lhe digo, se falar-me de fatos para mim estranhos, se se queixar dos vestidos velhos e da falta de dinheiro. Ali não estarão a suposta poesia, as esperanças comuns, as melancolias tão amigas do amor. Mas eu a terei perto de mim. E conseguiremos, você verá, ser bastante felizes, com muita simplicidade, homem com mulher apenas, como costuma acontecer em toda parte do mundo.
Mas você _ agora penso nisso - está longe demais, a centenas e centenas de quilômetros difíceis de transpor. Vive uma vida que ignoro, e outros homens estão a seu lado, aos quais provavelmente você sorri, como a mim em tempos passados. E bastou-lhe pouco tempo para esquecer-me. Provavelmente você não consegue mais lembrar-se do meu nome. Agora estou fora de você, confundido às sombras inumeráveis. E, no entanto, não sei pensar senão em você, e gosto de lhe dizer estas coisas.
Dino Buzzati.

Um comentário:

Anônimo disse...

"..Os poetas, os loucos, os aventureiros, os amantes da liberdade, da vida e do amor não seremos compreendidos jamais!
A não ser por outros poetas, outros loucos, aventureiros, amantes da liberdade, da vida e do amor..." ...adorei, virei sempre buscar inspiracao aqui, isso qdo naum pararmos no meio do caminho pra bater papo, rs*... bjao.