quarta-feira, setembro 27, 2006

Rituais

Digam o que quiserem gosto mesmo de um bom ritual.
Na verdade acho que os homens não sobrevivem sem um bom número de rituais. Inclusive, já li vários artigos escritos por especialistas em comportamento humano que defendem a idéia de que pessoas bem sucedidas têm os seus rituais e que isso as torna, de alguma maneira, mais eficientes no mundo corporativo. Acredito que talvez isso se dê pela disciplina, sentido de ordem, enfim... (que loucura, não?).
Bem, mas esse não é o foco desse ensaio.
O que chamo de ritual não é necessariamente aquela atividade rotineira, muitas vezes sem graça, desgastante e que você não agüenta mais fazer, e se lamenta quando não consegue mais escapar dela; quando percebe que não pode adiar por mais tempo, e que agora terá que fazê-la de uma maneira ou outra.
Um exemplo de ritual extremamente necessário aos homens, e que muitos acham algo extremamente chato, inclusive eu, é o ato de se barbear.
Ora, barbear-se é um ritual masculino que nasce na mente do jovem pré-adolescente mesmo antes de sua necessidade. Barbear-se, pensa ele, indica virilidade, força. Qual não é o garoto que não vê a hora de nascer alguns poucos fios no rosto para que, com uma postura imponente dirija-se ao espelho do banheiro, sem camisa, com o cenho franzido e boca repuxada, encha a cara com creme de barbear e deslize confiante a lâmina por todo o rosto? Depois ao chegar à idade adulta, queixa-se de não agüentar mais ter que fazer a barba todo santo dia; e que gostaria mesmo de nascer como alguns poucos privilegiados que não tem um fio de cabelo no rosto inteiro, sem perder, é claro seu jeito “macho” de ser. Vai entender...
É, acho que meu pai deu umas boas risadas comigo quando entrei nessa fase. Como também espero rir quando tiver a oportunidade de ver um filho ansioso pelos primeiros fios no rosto.
Meu amado pai ensinou-me, ainda, entre outras coisas, quando passada a pré-adolescência e chegada a hora de dirigir-se ao trabalho, o sapato do homem deveria estar sempre limpo e lustrado. Quantas manhãs de domingo não o vi em frente à TV com seus pares de sapatos, uma lata de graxa, escova, flanela e um pouco de água para que a respingasse no sapato depois de passada a graxa e antes da escovação (sim, a graxa se dilui um pouco na água e dá um resultado melhor no engraxamento, experimente...). Aquele era apenas um dos rituais do meu pai que aprendi observando. Seus sapatos estavam sempre impecáveis. Mais tarde quando já era um advogado, o dono do escritório no qual eu trabalhava, repetiu a lição do meu pai, dizendo-me em tom professoral e elogioso que o cuidado que um homem tinha com o seu sapato refletia o cuidado que tinha consigo mesmo e com as suas coisas. Sorte a minha meu pai ter me ensinado isso antes mesmo de eu pensar em fazer uma faculdade. Esse era um dos seus rituais que de certa forma herdei e mantenho.
Na fase adulta descobri e criei meus próprios rituais: dar um nó numa gravata, por exemplo, para muitos é tarefa ingrata, horripilante pensar naquele pedaço de pano apertando o pescoço. Para mim, no entanto, sempre foi um ritual agradável. Vestida a camisa, a calça, o sapato e o cinto, chegada é a vez da gravata... Escolher dentre as disponíveis a de cor e textura mais adequadas à camisa e ao terno, dando-lhe, por fim, o nó em volta do pescoço. Alguns colegas confessaram-me que uma vez feito o nó na gravata não mais o desmanchavam para não terem a dificuldade de fazê-lo novamente, guardavam a gravata com o nó pronto. Pode uma coisa dessas? Não consigo imaginar isso. Louco eu? Talvez, mas é um dos meus rituais, e assim como fazer o nó antes do dia de trabalho, desmanchá-lo após o trabalho me dá igual prazer. Acho que tenho a sensação de dever cumprido.
Estar em casa sozinho, ligar o som, ouvir uma boa música e dedicar-se simplesmente a escrever (como faço agora ouvindo o mestre da “soul music” Ray Charles) é para mim outro ritual.
Tomar café pode ser outro exemplo. Amo café. Quer me ver feliz? Convide-me a uma boa cafeteria e ofereça-me uma conversa agradável sobre qualquer assunto sério ou descontraído. Ah, o café...
Este ensaio surgiu em minha mente quando estava ouvindo música, bebendo uma taça de vinho e corrigindo algumas redações de meus alunos, percebi quão prazerosa para mim era a atividade... A canção ao fundo, as idéias de outras pessoas sobre um mesmo tema, a oportunidade de conhecer cada um através de suas palavras... Fui obrigado a interromper a correção para iniciar esse texto, pois vi na minha atividade o ritual, além de uma bela inspiração... Não precisava da música, nem do vinho para corrigir as redações (muito menos do vinho... rs), mas a tarefa tornou-se mais prazerosa dentro desse contexto.
Todos nós temos nossos hábitos cotidianos ainda que não os percebamos dessa maneira. Alguns chatos, porém necessários, outros simplesmente prazerosos, que os repetimos com alegria.
O que importa no final é saber que podemos nas pequenas coisas do dia-a-dia, encontrar alguma felicidade e contentamento realizando pequenas e simples tarefas. Procuremos nossos rituais e tornemos a repeti-los com felicidade...